Portas
Gozo de uma condição curiosa com a porta de casa, ao cruzá-la me torno nulo, ao retornar me torno eu. Acredito que toda porta detém certo poder mágico, é a consequência por guardarem segredos. Apesar de que, o desejo de toda porta é confidenciar seus mistérios, caso contrário jamais se abririam. As portas instigam à entrada, jamais à partida; ao ingressar, se desdobram para o exterior; ao partir, desvelam-se para dentro, como se a passagem fosse quase repelida. Ainda assim, existe um custo para cada segredo, abrir uma porta é renunciar ao que a antecede, ainda que momentaneamente. Voltando ao meu caso com a porta de casa, sinto que ao atravessá-la renuncio a mim mesmo, é o preço a se pagar pelos segredos do mundo.
Esse poder das portas moldam nossa sociedade, as portas revelam-se, na verdade, como agentes de filtragem social. O batente nos configura em relação ao aposento, ou à ausência deste. No interior do lar, sou um; para além da porta, outro me torno; no além da entrada principal, ao ingressar no recinto do meu escritório, reconfiguro-me novamente.
Ainda existe a questão de que portas só existem diante de uma violência prévia, para toda a porta deve haver uma parede, um muro, cerca, tapume ou qualquer forma de restrição. É fácil conjecturar que o umbral se apresentasse como a resposta para um mundo ladeado, mas não, o umbral, ou simplesmente buraco, passagem, fenda ou abertura configura demasiada liberdade. A porta é o resultado da dialética entre a liberdade e a restrição; se, por um lado, é passagem, por outro, é também barreira. Por isso tão contraditória, se guardam um segredo também é quem o revelam